Levantado do chão : anachronisms and new literary engagements

Abstract

José Saramago soube captar, através da sua obra, as tendências e problemáticas mais relevantes do seu tempo sem no entanto se deixar subjugar pelas luzes e ilusões do contexto em que vivera. Nesse sentido, pode-se considerar, retomando uma proposta do filósofo Giorgio Agamben, que José Saramago é um verdadeiro contemporâneo. A hipótese que colocamos aqui é que esse distanciamento crítico é realizado em Levantado do Chão ao adotar deliberadamente uma postura anacrónica. Um dos anacronismos mais relevantes no romance consiste na convocação da matriz neorrealista, embora com um certo distanciamento. Ora, a insersão do romance no paradigma neorrealista é problemática no contexto de transição pós-moderna dos anos 70-80. A questão do compromisso literário, e da sua evolução, é então convocada, ocupando um lugar central no romance (embora implicitamente). Além disso, outros anacronismos vão aparecendo, investindo e estruturando a obra. Um deles é causado pela quebra da linearidade da narrativa devida à postura ambígua do narrador, ora de adesão, ora de afastamento, relativamente à história contada. Outro anacronismo reside no carácter arcaico do latifúndio, realçado por elementos de rutura e subversão. Embora comumente considerado como um romance ligado ao passado e a uma certa tradição estético-literária, nele se estreia uma nova perspetiva sobre a sociedade, a história e a cultura que orientará toda a obra futura, anunciando novas fomas de compromisso literário. De facto, Levantado do Chão inaugura uma série de romances profundamente autorreflexivos que unem a narrativa ficcional e a reflexão teórica.